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1 Introdução

As prioridades prudenciais no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS) refletem a estratégia de médio prazo da Supervisão Bancária do BCE para os próximos três anos. São definidas pelo Conselho de Supervisão, objeto de revisão anual e assentam numa avaliação exaustiva dos principais riscos e vulnerabilidades das instituições supervisionadas. As prioridades têm também em consideração os resultados do processo de análise e avaliação para fins de supervisão (supervisory review and evaluation process – SREP)[1] e os progressos alcançados em relação às prioridades dos anos anteriores. Apoiam uma afetação eficiente dos recursos de supervisão disponíveis e podem ser ajustadas de forma flexível, caso se justifique devido a alterações no panorama de riscos.

As instituições supervisionadas superaram bem os choques macrofinanceiros e geopolíticos adversos dos últimos anos. Fundamentos sólidos – como posições de fundos próprios e reservas de liquidez robustas ou níveis mais baixos de créditos não produtivos (non‑performing loans – NPL) – ajudaram as instituições de crédito a fazer face aos desafios decorrentes da pandemia de coronavírus (COVID‑19) e das perturbações nas cadeias de abastecimento associadas, da guerra da Rússia contra a Ucrânia e do subsequente choque sobre o aprovisionamento energético, bem como das recentes falências de instituições de crédito nos Estados Unidos e na Suíça. A capacidade do setor bancário para resistir a um abrandamento económico grave foi igualmente confirmada pelos resultados do teste de esforço deste ano a nível da União Europeia[2].

Em termos prospetivos, o setor bancário europeu enfrenta vários desafios, que exigem maior vigilância por parte das autoridades de supervisão e das instituições de crédito. Embora o rápido aumento das taxas de juro tenha, até à data, beneficiado a rentabilidade das instituições de crédito, o contexto de taxas de juro mais elevadas deverá elevar quer a volatilidade de algumas fontes de financiamento, quer os custos de financiamento das instituições de crédito no médio prazo, precisamente quando serão substituídos montantes substanciais de financiamento pelo banco central. Além disso, a qualidade dos ativos das instituições de crédito poderá começar novamente a deteriorar‑se, se os riscos geopolíticos se concretizarem ou a inflação elevada, aliada a condições de financiamento mais restritivas, ameaçar a capacidade de serviço da dívida das famílias e das sociedades não financeiras. Prémios de risco mais elevados podem conduzir a uma nova reavaliação dos preços dos ativos financeiros e a novos episódios de elevada volatilidade nos mercados financeiros. Neste enquadramento, é essencial que as instituições de crédito mantenham e continuem a reforçar os respetivos quadros de gestão do risco de crédito e de gestão de ativos e passivos, assegurando, relativamente a este último aspeto, que são abrangidos tanto os riscos de liquidez e de financiamento como o risco de taxa de juro da carteira bancária (interest rate risk in the banking book – IRRBB).

A falência de várias instituições de crédito de média dimensão nos Estados Unidos e a aquisição de uma instituição de crédito na Suíça colocaram mais uma vez em evidência que as instituições de crédito precisam de sistemas de governo interno fortes e de controlos do risco eficazes para lidar com a evolução dinâmica do panorama de riscos. As falências de instituições de crédito também destacaram a importância de uma resposta prudencial atempada e eficaz e, se necessário, de uma intensificação das medidas de supervisão, sempre que as práticas das instituições de crédito se afigurem inadequadas e as medidas de correção sejam lentas. Face a estas circunstâncias, a Supervisão Bancária do BCE aplicará progressivamente os mecanismos e instrumentos de intensificação prudencial adequados, a fim de assegurar que as instituições de crédito lidam de forma rápida e bem‑sucedida com as deficiências identificadas no âmbito das prioridades prudenciais. Tal aplica‑se, em especial, ao governo interno, um domínio em que algumas instituições de crédito não deram uma resposta apropriada a deficiências importantes, apesar da interação de longa data com as autoridades de supervisão. Essas deficiências estão relacionadas, por exemplo, com o funcionamento e a capacidade de direção dos órgãos de administração ou com as capacidades de agregação e reporte de dados sobre o risco. As instituições de crédito necessitam ainda de assegurar que as suas práticas estão plenamente alinhadas com uma boa gestão dos riscos climáticos e ambientais. Terão de o fazer, o mais tardar, até ao final de 2024 e a Supervisão Bancária do BCE também estabeleceu prazos intermédios para que as instituições de crédito cumpram determinados requisitos.

Como a transformação digital passou a ser uma prioridade para muitas instituições de crédito que procuram manter a competitividade, é essencial que estas disponham de salvaguardas adequadas, com vista a limitar os potenciais riscos decorrentes das novas tecnologias e práticas de negócio. As verificações prudenciais mostraram que, apesar de algumas instituições de crédito já terem realizado avanços consideráveis na transformação digital, outras não afetaram os recursos necessários para alcançar os seus objetivos. Além disso, as crescentes ciberameaças, impulsionadas pelas atuais tensões geopolíticas, e a maior dependência de serviços prestados por terceiros sublinham a necessidade de as instituições de crédito permanecerem resilientes e assegurarem a continuidade dos seus serviços críticos, mesmo em caso de perturbações operacionais graves. Neste enquadramento e a par das atividades de supervisão iniciadas no âmbito destas prioridades, será solicitado às instituições de crédito nos próximos meses que demonstrem a sua capacidade de resposta e recuperação face a eventos adversos desta natureza.

Embora o panorama de riscos tenha evoluído desde o ano passado, as prioridades prudenciais e as atividades correspondentes definidas em 2022 permanecem, em geral, válidas e continuam a dar resposta às principais vulnerabilidades do setor bancário. Sem prejuízo da estabilidade necessária para o planeamento num horizonte de três anos, justificam‑se alguns ajustamentos, no sentido de fazer face aos riscos atrás salientados.

No contexto das prioridades prudenciais do MUS no período de 2024 a 2026, será, antes de mais, solicitado às instituições supervisionadas que reforcem a sua resiliência a choques macrofinanceiros e geopolíticos imediatos (prioridade 1), acelerem a correção eficaz de deficiências no governo interno e na gestão dos riscos climáticos e ambientais (prioridade 2) e avancem com a transformação digital e o desenvolvimento de quadros robustos de resiliência operacional (prioridade 3). A figura 1 enumera sete vulnerabilidades principais das instituições de crédito, que podem ser associadas a três prioridades fundamentais.

Figura 1

Prioridades prudenciais no período de 2024 a 2026 centradas nas vulnerabilidades identificadas nas instituições de crédito

Fonte: BCE.
Notas: A figura apresenta as três prioridades prudenciais e as vulnerabilidades correspondentes a que as instituições de crédito deverão dar resposta nos próximos anos. A Supervisão Bancária do BCE procederá a atividades específicas para avaliar, monitorizar e dar seguimento às vulnerabilidades identificadas. Cada vulnerabilidade está associada à correspondente categoria de risco geral.

O principal objetivo do planeamento estratégico da Supervisão Bancária do BCE é desenvolver uma estratégia sólida para os próximos três anos. As prioridades promovem a eficácia e a coerência no planeamento do trabalho das equipas conjuntas de supervisão (ECS) e facilitam uma afetação de recursos mais eficiente, em consonância com a definição dos níveis de tolerância ao risco correspondentes. Ajudam ainda as autoridades de supervisão nacionais a definir, de forma proporcionada, as suas próprias prioridades para a supervisão das instituições menos significativas. A comunicação transparente das prioridades deixa claro às instituições de crédito quais são as expectativas prudenciais, melhora o impacto da supervisão no reforço da resiliência do setor bancário e ajuda a assegurar condições de igualdade.

As secções seguintes fornecem mais pormenores sobre os resultados do exercício de 2023 de identificação e análise dos riscos e apresentam as prioridades prudenciais, e os programas de trabalho subjacentes, para o período de 2024 a 2026. Como parte da sua interação permanente com as instituições de crédito, as autoridades de supervisão também desenvolvem outras atividades regulares e ad hoc que complementam o trabalho centrado nas prioridades.

2 Prioridades prudenciais e análise dos riscos no período de 2024 a 2026

2.1 Enquadramento operacional das instituições supervisionadas

O setor bancário europeu demonstrou a sua elevada resiliência a choques externos quando as tensões nos setores bancários dos Estados Unidos e da Suíça, em março de 2023, desencadearam efeitos de repercussão apenas limitados e temporários. As instituições de crédito europeias revelaram‑se fortes em termos de capital, liquidez e qualidade dos ativos, e conseguiram também recorrer a fontes de financiamento e bases de clientes bastante diversificadas. A sua rentabilidade, que suscitou preocupação durante muitos anos, registou uma forte recuperação recentemente, devido ao contexto de taxas de juro mais elevadas, e regressou a níveis não observados há mais de uma década. Contudo, a maior resiliência do setor bancário – alcançada igualmente em virtude do reforço dos quadros regulamentares e de supervisão europeus – poderá ser testada de novo no futuro, não havendo, assim, margem para complacência.

As perspetivas de crescimento da área do euro permanecem sujeitas a elevada incerteza, num contexto de condições de financiamento mais restritivas e tensões geopolíticas acrescidas, enquanto as trajetórias futuras dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares estão sujeitas a riscos em sentido ascendente[3]. As pressões inflacionistas continuam a definir o enquadramento difícil e o fraco crescimento da área do euro deverá persistir no curto prazo. As fragilidades do setor da indústria transformadora persistem e a atividade no setor dos serviços – o principal fator impulsionador do crescimento económico até à data – também deverá abrandar, dado que os efeitos da reabertura da economia após a pandemia estão a desvanecer-se e os entraves decorrentes das condições de financiamento mais restritivas e a elevada incerteza dos consumidores permanecem significativos. O mercado de trabalho da área do euro tem‑se mostrado resiliente até ao momento, mas a procura de mão de obra poderá abrandar se a atividade económica estagnar durante mais tempo[4]. As condições de concessão de crédito tornaram‑se significativamente mais restritivas desde dezembro de 2022 e a dinâmica dos empréstimos abrandou, à medida que o rápido aumento da restritividade da política monetária se repercute cada vez mais na economia real[5].

Projeta‑se que a inflação global na área do euro mantenha uma trajetória descendente a médio prazo, devendo a inflação subjacente registar uma descida mais gradual[6]. Se a política monetária exigir maior restritividade ou se as taxas de juro permanecerem em níveis mais elevados durante mais tempo num cenário de inflação persistentemente alta, as perspetivas de crescimento económico poderão deteriorar‑se, prejudicando a qualidade dos ativos das instituições de crédito. Não obstante a aparente solidez financeira geral dos balanços das famílias e das empresas, as preocupações quanto à capacidade de serviço da dívida dos mutuários estão a aumentar, em especial no crédito imobiliário. Além de uma erosão da qualidade dos ativos das instituições de crédito em caso de recessão económica, fatores pontuais, como a taxa sobre as instituições de crédito, constituem outro risco em sentido descendente para os rendimentos das mesmas em alguns países.

Uma combinação de tensões geopolíticas acrescidas, taxas de juro “mais elevadas durante mais tempo” e um potencial abrandamento económico na área do euro podem resultar em nova turbulência nos mercados financeiros. As perturbações no setor bancário observadas nos Estados Unidos e na Suíça no início de março, que desencadearam um forte sentimento de aversão ao risco entre as instituições de crédito dos Estados Unidos, repercutiram‑se apenas de forma parcial e temporária no setor bancário europeu. As repercussões na área do euro permaneceram contidas e breves, a volatilidade dos mercados diminuiu e os preços das ações da área do euro recuperaram pouco depois do choque, sobretudo no setor bancário, ao passo que os diferenciais das obrigações das empresas registaram nova redução. Uma deterioração súbita das perspetivas económicas poderia, no entanto, desencadear novos episódios de maior volatilidade e correções abruptas dos preços dos ativos, levando a um novo aumento da restritividade das condições de financiamento.

2.2 Prioridades prudenciais no período de 2024 a 2026

As prioridades prudenciais são definidas após uma análise holística dos principais riscos e vulnerabilidades das instituições de crédito. As três prioridades fundamentais para os próximos três anos centram‑se tanto nos riscos de curto prazo para o setor bancário (prioridade 1) como na necessidade de dar resposta a desafios a médio prazo mais estruturais (prioridades 2 e 3). Cada prioridade incide sobre um conjunto de vulnerabilidades do setor bancário – referidas como “vulnerabilidades priorizadas” – para as quais foram definidos objetivos estratégicos específicos e desenvolvidos programas de trabalho que visam reduzir os riscos subjacentes. As interdependências entre os riscos são refletidas na conceção dos programas de trabalho, que têm por objetivo reforçar a eficiência e a eficácia da interação das autoridades de supervisão com as instituições de crédito.

Prioridade 1: aumentar a resiliência a choques macrofinanceiros e geopolíticos imediatos

O enquadramento macrofinanceiro incerto, aliado a tensões geopolíticas persistentes e ao risco de novos episódios de tensão financeira, continua a determinar as perspetivas para o setor bancário europeu. As instituições supervisionadas precisam de ser prudentes e de desenvolver e seguir estratégias de negócio resilientes, de forma a ter em conta o contexto macrofinanceiro e geopolítico em rápida mutação. Perante este enquadramento, o principal objetivo da Supervisão Bancária do BCE é assegurar que as instituições de crédito sob a sua supervisão direta aumentam a resiliência a choques macrofinanceiros e geopolíticos imediatos. Apesar de, até à data, a subida das taxas de juro ter tido um impacto positivo na rentabilidade, as instituições de crédito têm de estar preparadas para lidar com fontes de financiamento mais voláteis, custos de financiamento mais elevados, uma potencial queda da qualidade dos ativos e uma nova reavaliação do preço do risco nos mercados financeiros a curto e médio prazo. Consequentemente, as instituições de crédito precisam de reforçar os respetivos quadros de gestão do risco de crédito e de gestão de ativos e passivos.

Vulnerabilidade priorizada: deficiências nos quadros de gestão do risco de crédito e do risco de crédito da contraparte

Objetivo estratégico: as instituições de crédito devem corrigir eficazmente as deficiências estruturais nos seus quadros de gestão do risco de crédito, incluindo o risco de crédito da contraparte, e fazer face, de forma atempada, a quaisquer desvios dos requisitos regulamentares e das expectativas prudenciais. As instituições de crédito devem ter capacidade para identificar e reduzir rapidamente qualquer acumulação de riscos em carteiras mais sensíveis ao atual contexto macrofinanceiro.

Até à data, as empresas e as famílias demonstraram resiliência ao abrandamento económico, devido a lucros robustos, a taxas de desemprego baixas e a elevados níveis de poupança acumulada. Embora o rácio e o stock agregado de NPL das instituições supervisionadas ainda se encontrem próximo dos mínimos históricos, já se vislumbram os primeiros sinais de deterioração da qualidade dos ativos. O rácio de empréstimos no patamar 2 (Stage 2) aumentou para os empréstimos às famílias, especialmente no crédito ao consumo, dado que a redução do rendimento real, aliada a taxas de juro mais elevadas, pesa cada vez mais sobre a capacidade de serviço da dívida das famílias. De igual modo, as falências de empresas e as taxas de incumprimento começaram a aumentar face aos níveis baixos observados durante a pandemia.

O ciclo do imobiliário residencial na área do euro registou uma viragem, com um abrandamento do crédito à habitação e uma descida dos preços das casas na maioria dos países da área do euro. O mercado do imobiliário comercial continua em abrandamento, estando as avaliações e os volumes de transações a diminuir acentuadamente. As vulnerabilidades estruturais e a procura mais reduzida, em particular de ativos de menor qualidade relacionados com imobiliário para comércio de retalho e edifícios de escritório, estão a amplificar as condições de financiamento mais restritivas e a conjuntura de mercado incerta. A exposição das instituições de crédito afigura‑se particularmente vulnerável em países caracterizados por uma sobrevalorização preexistente e com uma percentagem significativa de empréstimos a taxa variável e não amortizáveis (por exemplo, empréstimos “bullet”), cujo risco de refinanciamento poderá ser maior.

A combinação dos custos de financiamento mais elevados, devido às condições de financiamento mais restritivas, e do elevado grau de volatilidade nos mercados financeiros está a amplificar os riscos para instituições financeiras não bancárias fortemente alavancadas, em especial as que apresentam elevadas posições em derivados. A exposição a essas instituições pode implicar um aumento do risco de crédito da contraparte para algumas instituições de crédito, salientando a necessidade de práticas sólidas de gestão do risco.

Há vários anos que as autoridades de supervisão estão a trabalhar no sentido de dar resposta às deficiências estruturais nos quadros de gestão do risco de crédito das instituições de crédito[7]. As atividades de supervisão revelam que as instituições de crédito fizeram progressos neste domínio, mas também colocaram em evidência várias deficiências persistentes. Entre estas, contam‑se, por exemplo, a capacidade limitada das instituições para antecipar riscos emergentes (incluindo riscos climáticos e ambientais) e para os refletir adequadamente nas respetivas provisões para o risco de crédito, as lacunas no seu grau de preparação para lidar com um potencial aumento acentuado de mutuários em dificuldades e dos riscos de refinanciamento, e evidência de sobrevalorização de garantias nas carteiras de imobiliário comercial. Embora as constatações efetuadas nessas análises tenham sido tomadas em conta nos resultados do SREP de 2023, foram comunicadas às instituições de crédito medidas de supervisão específicas e as autoridades de supervisão estão a acompanhar atentamente a implementação das medidas corretivas planeadas.

No que respeita à gestão do risco de crédito da contraparte, a análise específica conduzida em 2022 e as subsequentes inspeções no local colocaram em evidência deficiências materialmente relevantes na diligência quanto à clientela, na definição da apetência pelo risco, nos processos de gestão do incumprimento e nos quadros de teste de esforço. Embora as instituições supervisionadas tenham realizado progressos na resposta às questões identificadas, são necessários mais esforços no sentido de alcançar um maior alinhamento com o relatório sobre boas práticas de governação e gestão do risco de crédito da contraparte (Sound practices in counterparty credit risk governance and management), publicado em outubro de 2023.

As atividades de supervisão contempladas no programa de trabalho do ano passado que visam alcançar o objetivo estratégico relativo à gestão do risco de crédito e do risco de crédito da contraparte prosseguirão na sua maioria. Todavia, é necessária alguma reorientação para ter em conta a evolução da conjuntura económica e os progressos realizados até à data. As lacunas remanescentes identificadas no contexto da carta dirigida aos administradores executivos em 2020 continuarão a ser objeto de seguimento no âmbito das análises das práticas de diferimento/reestruturação do crédito, de determinação da improbabilidade de pagamento e de constituição de provisões. No que respeita a este último aspeto, a análise específica centrou‑se na Norma Internacional de Relato Financeiro 9 (International Financial Reporting Standard 9 – IFRS 9) e as sobreposições prudenciais serão repetidas, a fim de acompanhar os progressos das instituições de crédito e as medidas corretivas decorrentes das constatações anteriores. Além disso, serão realizadas análises específicas e, quando relevante, inspeções no local e verificações de modelos internos a carteiras mais sensíveis, designadamente carteiras de ativos imobiliários (tanto residenciais como comerciais) e carteiras de ativos de pequenas e médias empresas (PME). No que diz respeito ao risco de crédito da contraparte, as ECS continuarão a acompanhar de perto as posições em risco das instituições de crédito e a examinar a adequação das suas práticas de gestão do risco, dando seguimento especificamente aos progressos alcançados na correção das deficiências identificadas em 2022.

Principais atividades do programa de trabalho associado às prioridades prudenciais

  • Análises específicas centradas na resiliência das carteiras mais sensíveis à atual situação macrofinanceira e expostas a risco de refinanciamento, incluindo dar seguimento às constatações de anteriores análises específicas centradas no imobiliário residencial e comercial, e lançamento de uma nova análise específica que incidirá sobre PME mutuárias vulneráveis
  • Seguimento da análise específica centrada na IFRS 9, monitorização dos progressos no que respeita à capacidade dos modelos de perdas de crédito esperadas adotados pelas instituições de crédito de captarem os riscos emergentes, com ênfase em sobreposições prudenciais
  • Prolongamento das análises aprofundadas das políticas de diferimento/reestruturação e de determinação da improbabilidade de pagamento
  • Prolongamento das inspeções no local, com ênfase nos patamares de imparidade e provisionamento coletivo no que respeita a PME nos termos da IFRS 9 e nas carteiras de retalho e imobiliário comercial, incluindo valorizações de garantias
  • Prolongamento das verificações de modelos internos e do seguimento dado pelas ECS para avaliar as alterações de modelos baseados em notações internas (internal ratings‑based – IRB) devidas a novos requisitos regulamentares e as medidas corretivas adotadas face às constatações da análise específica dos modelos internos
  • Seguimento da análise específica da gestão do risco de crédito da contraparte realizada em 2022
  • Inspeções no local direcionadas centradas em aspetos específicos da gestão do risco de crédito da contraparte

Vulnerabilidade priorizada: deficiências nos quadros de gestão de ativos e passivos

Objetivo estratégico: As instituições de crédito devem assegurar uma governação e estratégias sólidas e prudentes de gestão dos ativos e passivos, refletindo uma forte supervisão pelos respetivos órgãos de administração e uma captação adequada dos riscos decorrentes da atual política monetária e do contexto económico em rápida mutação. Devem, em particular, desenvolver planos de financiamento robustos e credíveis que visem estruturas de financiamento diversificadas, bem como planos de contingência eficazes para resistir a choques de liquidez de curto prazo. As instituições de crédito devem ainda assegurar uma gestão adequada das suas posições de risco de taxa de juro, refletindo pressupostos prudentes no tocante ao comportamento dos clientes, e desenvolver estratégias de redução do risco correspondentes que sejam proporcionais aos respetivos perfis de risco.

O contexto de taxas de juro em que as instituições de crédito operam mudou radicalmente nos últimos dois anos. Ainda que taxas de juro mais elevadas estejam, em geral, a apoiar a rentabilidade das instituições supervisionadas, podem também resultar em custos de financiamento mais altos e colocar desafios às situações de liquidez das instituições de crédito e, de um modo mais geral, à governação, às estratégias e aos quadros de gestão de ativos e passivos das mesmas.

A volatilidade dos mercados financeiros e as correções de preços nos mercados de rendimento fixo à luz da atual dinâmica das taxas de juro elevaram o risco de acumulação de perdas não realizadas nas carteiras mensuradas pelo custo amortizado detidas pelas instituições de crédito. Embora os efeitos possam ser graves, como evidenciado pela turbulência gerada por algumas instituições de crédito de média dimensão nos Estados Unidos em março, a combinação de fatores que conduziram a esse episódio concreto não foi, até ao momento, observada em instituições de crédito abrangidas pela supervisão bancária europeia. Com efeito, como indicam os dados[8] publicados em julho de 2023, o montante total dessas perdas não realizadas foi relativamente contido, situando‑se em 73 mil milhões de euros em fevereiro de 2023, o que compara com 620 mil milhões de dólares dos Estados Unidos para as instituições de crédito deste país no final de 2022[9]. As autoridades de supervisão estão a escrutinar a avaliação e gestão dos riscos de taxa de juro e de spread de crédito das instituições de crédito desde o segundo semestre de 2021, altura em que surgiram os primeiros sinais de pressões inflacionistas. Em 2022, a Supervisão Bancária do BCE incluiu esses riscos nas suas prioridades prudenciais e procedeu a uma análise específica para avaliar de forma proativa o grau de preparação das instituições de crédito para potenciais aumentos das taxas de juro. As constatações efetuadas na altura apontaram para a necessidade de as instituições de crédito reanalisaram com maior frequência a calibração dos seus modelos de gestão de ativos e passivos, a fim de responderem a alterações no comportamento dos clientes decorrentes do novo regime de taxas de juro e a deficiências em algumas estratégias de cobertura.

No que concerne a liquidez e o financiamento, as instituições supervisionadas mostraram, no seu conjunto, uma forte resiliência às alterações na conjuntura financeira até à data. Ainda que a diminuição das reservas dos bancos centrais e a fraca dinâmica monetária tenham levado a uma diminuição das reservas de liquidez das instituições de crédito, os seus rácios de cobertura de liquidez e de financiamento estável líquido mantêm‑se, em média, muito acima dos mínimos regulamentares. Acresce que as instituições supervisionadas não apresentam concentrações de financiamento semelhantes às de algumas instituições de crédito de média dimensão nos Estados Unidos que foram à falência no início deste ano, dado que as suas principais fontes de financiamento provêm sobretudo de depósitos. Trata‑se principalmente de depósitos de clientes de retalho, sendo a maioria cobertos pelo seguro de depósitos. A fim de garantir a descontinuação gradual dos programas de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (ORPA direcionadas) e avaliar o grau de preparação das instituições de crédito para essa descontinuação, foi realizada, em 2023, uma análise específica centrada nas estratégias de saída das ORPA direcionadas definidas pelas instituições de crédito. Neste contexto, solicitou‑se a algumas instituições de crédito que continuassem a diversificar as fontes de financiamento. Uma análise específica está também a avaliar a fiabilidade e a solidez dos planos de financiamento das instituições de crédito e as constatações resultantes da mesma serão tidas em conta nos resultados do SREP de 2024.

No futuro, a Supervisão Bancária do BCE continuará a sublinhar fortemente a necessidade de as instituições de crédito disporem de mecanismos sólidos de gestão de ativos e passivos. Serão desenvolvidas atividades específicas para analisar a governação e as estratégias de gestão de ativos e passivos das instituições de crédito e avaliar a adequação dos pressupostos subjacentes a alguns dos seus modelos comportamentais. As autoridades de supervisão avaliarão igualmente a resiliência das instituições de crédito a choques de liquidez de curto prazo e a credibilidade e robustez dos seus planos de contingência de liquidez. Por último, as autoridades de supervisão prosseguirão os esforços iniciados em anos anteriores, continuando a analisar a forma como as instituições de crédito gerem o risco de taxa de juro da carteira bancária, bem como a solidez e a fiabilidade dos seus planos de financiamento.

Principais atividades do programa de trabalho associado às prioridades prudenciais

  • Análises específicas centradas na solidez e fiabilidade dos planos de financiamento, nos planos de contingência e na adequação das capacidades de otimização de garantias, bem como na governação e nas estratégias de gestão de ativos e passivos
  • Inspeções no local direcionadas centradas na avaliação da robustez e adequação dos planos de financiamento e de recuperação
  • Seguimento das constatações da análise específica centrada nos riscos de taxa de juro e de spread de crédito, alargando esta análise também a um leque mais vasto de instituições
  • Campanha de inspeções no local centradas no risco de taxa de juro da carteira bancária, destinadas, em particular, a averiguar o posicionamento e a estratégia de gestão de ativos e passivos, os modelos comportamentais e a estratégia de cobertura do risco de taxa de juro da carteira bancária

Prioridade 2: acelerar a correção efetiva de deficiências no governo interno e na gestão dos riscos climáticos e ambientais

Os resultados do SREP de 2023 continuam a destacar os progressos insuficientes de algumas instituições de crédito na resolução de deficiências no governo interno. É o caso, em particular, em domínios relacionados com o funcionamento e a orientação estratégica dos órgãos de administração das instituições de crédito, mas também no tocante a capacidades de agregação e reporte de dados sobre o risco. Além disso, a importância de sistemas de governo fortes e de controlos do risco sólidos foi novamente colocada em evidência pela falência de algumas instituições de crédito nos Estados Unidos e na Suíça no início deste ano. O mesmo se aplica no contexto do aumento constante dos riscos climáticos e ambientais, cujo impacto negativo já se faz sentir a nível mundial. Será solicitado às instituições de crédito que intensifiquem os esforços e transponham de forma adequada as dimensões de risco relevantes para as suas estratégias de negócio e quadros de gestão do risco, a fim de cumprirem plenamente as expectativas prudenciais correspondentes até ao final de 2024. Para apoiar este objetivo, a Supervisão Bancária do BCE está pronta a utilizar os instrumentos ao seu dispor (incluindo, quando necessário, acréscimos de fundos próprios, medidas coercivas e sanções, bem como revisões das avaliações da adequação e idoneidade), com vista a incentivar as instituições de crédito a corrigir eficazmente as deficiências identificadas, em especial quando são definidas medidas claras e prazos concretos para o cumprimento das expectativas prudenciais.

Vulnerabilidade priorizada: deficiências no funcionamento e nas capacidades de direção dos órgãos de administração

Objetivo estratégico: as instituições de crédito devem corrigir de forma eficaz as deficiências materialmente relevantes no funcionamento, controlo geral e composição dos respetivos órgãos de administração, desenvolvendo e implementando com celeridade planos de medidas corretivas sólidos, de acordo com as expectativas prudenciais.

Sistemas de governo interno robustos e uma orientação estratégica eficaz são fundamentais para assegurar a resiliência e a sustentabilidade dos modelos de negócio das instituições de crédito. As atuais perspetivas macrofinanceiras incertas e a alteração do contexto de taxas de juro, após anos de condições de financiamento acomodatícias, exigem que as instituições de crédito apliquem uma orientação estratégica eficaz e ajustem as suas práticas para avaliar, controlar e gerir adequadamente os riscos associados. A turbulência nos setores bancários dos Estados Unidos e da Suíça observada em março colocou em evidência o papel crucial dos conselhos de administração e quadros de direção das instituições de crédito, que têm a responsabilidade final de assegurar sistemas de governo interno adequados e processos de gestão do risco eficazes. Destacou ainda as consequências potencialmente graves para uma instituição de crédito, quando estes apresentam deficiências. É também necessária uma orientação estratégica eficaz para adaptar os modelos de negócio das instituições de crédito à evolução de tendências, como a digitalização e uma transição ecológica acelerada.

A resolução das deficiências nos órgãos de administração é uma das principais prioridades da Supervisão Bancária do BCE há vários anos e, embora tenham sido registadas melhorias em alguns aspetos, são necessários mais progressos em termos de composição, adequação coletiva e funções de fiscalização dos conselhos de administração das instituições de crédito. Na sequência de uma interação prudencial direta em 2022, as instituições de crédito melhoraram as suas políticas de diversidade, que incluem agora critérios de formação, experiência, proveniência geográfica e idade, para além do género. Atualmente, a maioria das instituições supervisionadas estabeleceu metas para corrigir os desequilíbrios de género nos respetivos órgãos de administração. Contudo, os progressos no cumprimento dessas metas ainda são insuficientes[10]. As instituições de crédito precisam também de prosseguir com a melhoria da adequação coletiva dos respetivos conselhos de administração, bem como da sua capacidade de contestação. Esta última está relacionada com deficiências na composição dos conselhos de administração (por exemplo, um número insuficiente de administradores independentes formais e a ausência de conhecimentos em domínios específicos como as tecnologias de informação) e no funcionamento dos mesmos (por exemplo, tempo insuficiente previsto para discussão e preocupações relativas aos processos de nomeação dos órgãos de administração). O papel de controlo geral desempenhado pelas comissões dos conselhos de administração também precisa de ser melhorado, como revelou a análise específica dos órgãos de administração realizada em 2023[11].

A Supervisão Bancária do BCE prosseguirá a interação com as instituições de crédito, com vista a corrigir estas deficiências de longa data através de análises específicas e inspeções no local direcionadas. Além disso, as autoridades de supervisão atualizarão e publicarão as expectativas prudenciais em matéria de governação e gestão do risco.

Principais atividades do programa de trabalho associadas às prioridades prudenciais

  • Análise específica da eficácia dos órgãos de administração das instituições de crédito e inspeções no local direcionadas
  • Atualização e publicação externa das expectativas prudenciais e das melhores práticas de governação e cultura de risco das instituições de crédito[12]

Vulnerabilidade priorizada: deficiências em termos de agregação e reporte de dados sobre o risco

Objetivo estratégico: as instituições de crédito devem corrigir eficazmente as deficiências de longa data e dispor de quadros adequados e eficazes de agregação e reporte de dados sobre o risco, para ajudar os órgãos de administração a assegurar uma direção eficiente e dar resposta às expectativas prudenciais, incluindo em períodos de crise.

A agregação e reporte de dados sobre o risco atempados e exatos são essenciais para uma tomada de decisões sólida e uma orientação estratégica eficaz pelas instituições de crédito, em especial na atual conjuntura, bem como para efeitos de reporte do risco, reporte financeiro e reporte prudencial. Os resultados dos exercícios de supervisão realizados até à data – incluindo o ciclo de 2023 do SREP e a campanha em curso de inspeções no local – apontam para progressos insuficientes no preenchimento de lacunas no que respeita às expectativas prudenciais e ao cumprimento dos princípios do Comité de Basileia de Supervisão Bancária para a agregação eficaz de dados sobre o risco e o reporte do risco. As principais deficiências prendem‑se com a atenção e controlo geral insuficientes dos órgãos de administração, vulnerabilidades da arquitetura de dados e panoramas informáticos fragmentados e não harmonizados, reduzida capacidade de agregação de dados e sistemas de governo interno ineficazes. Uma forte priorização pelos órgãos de administração é fundamental, atendendo a que a resolução das deficiências relacionadas com a agregação e reporte de dados sobre o risco requer muitas vezes recursos consideráveis.

Conforme já comunicado nas prioridades prudenciais do ano passado, a Supervisão Bancária do BCE está a intensificar os esforços para assegurar que as instituições supervisionadas realizam progressos substanciais na correção das deficiências de longa data identificadas na agregação e reporte de dados sobre o risco. A partir de 2024, será aplicado cada vez mais um mecanismo de intensificação de medidas estruturado, incluindo, possivelmente, medidas coercivas e sanções[13]. O guia para a eficácia da agregação e do reporte de dados sobre o risco (Guide on effective risk data aggregation and risk reporting) fundamenta e especifica as expectativas prudenciais. Entre julho e outubro de 2023, realizou‑se uma consulta pública[14] sobre este guia, cuja publicação está prevista para 2024. As autoridades de supervisão procederão também a análises específicas e inspeções no local direcionadas e interagirão com as instituições de crédito quando forem identificadas deficiências persistentes. Além disso, o relatório de gestão sobre a governação e a qualidade dos dados (Management Report on Data Governance and Data Quality)[15], lançado como piloto no início de 2023, prosseguirá como um questionário anual às instituições de crédito. Visa assegurar uma responsabilização adequada dos órgãos de administração das instituições de crédito em questões relacionadas com o reporte interno, o reporte financeiro e o reporte prudencial.

Principais atividades do programa de trabalho associadas às prioridades prudenciais

  • Ajustamento das expectativas prudenciais relacionadas com a aplicação de princípios de agregação e reporte de dados sobre o risco e publicação do guia para a eficácia da agregação e do reporte de dados sobre o risco
  • Análises específicas das práticas de agregação e reporte de dados sobre o risco
  • Campanha de inspeções no local centradas na agregação e reporte de dados sobre o risco (continuação das atividades de 2023)
  • Elaboração do relatório de gestão sobre a governação e a qualidade dos dados – um questionário anual para assegurar a responsabilização adequada dos órgãos de administração das instituições de crédito em questões relacionadas com o reporte interno, o reporte financeiro e o reporte prudencial

Vulnerabilidade priorizada: posições em risco materialmente relevantes a fatores de risco físico e de transição das alterações climáticas

Objetivo estratégico: as instituições de crédito devem incorporar adequadamente os riscos climáticos e ambientais na estratégia de negócio e nos quadros de governação e gestão do risco, com vista a reduzir e divulgar tais riscos, alinhando as suas práticas com os atuais requisitos regulamentares e as expectativas prudenciais.

As emissões de gases com efeito de estufa continuaram a aumentar a nível mundial[16], conduzindo a um maior aquecimento global futuro e, por sua vez, à intensificação de catástrofes múltiplas e simultâneas, como repetidamente demonstrado pelas vagas de calor sem precedentes e pelos incêndios florestais e inundações na Europa e noutras regiões do mundo. As políticas em vigor ficam aquém das metas de aquecimento global estabelecidas no Acordo de Paris de 2015[17]. O diferimento de medidas a favor do clima aumentará ainda mais os riscos físicos e de transição e, potencialmente, as perdas relacionadas das instituições de crédito, elevando o risco de maiores danos, dependência de infraestruturas com emissões elevadas, ativos irrecuperáveis (stranded assets) e a escalada dos custos[18]. É provável que as tensões geopolíticas, bem como os investimentos iniciais cada vez mais elevados e as mudanças disruptivas necessárias para a mitigação e a adaptação, aumentem ainda mais os riscos de transição num contexto de condições de financiamento mais restritivas.

Para algumas instituições de crédito, o SREP de 2023 revelou alguma melhoria na definição da sua estratégia no tocante aos riscos climáticos e ambientais, enquanto, relativamente a outras, também demonstrou a necessidade premente de correção de deficiências neste domínio. As medidas qualitativas decorrentes do SREP centraram‑se sobretudo nas deficiências das instituições de crédito no planeamento estratégico e operacional e nos fracos conhecimentos dos órgãos de administração sobre temas ambientais, sociais e de governação. Os riscos climáticos e ambientais afetaram os níveis dos requisitos de fundos próprios do Pilar 2 de um maior número de instituições de crédito em comparação com o exercício do SREP do ano passado[19].

A fim de dar uma resposta eficaz às deficiências destacadas pelo teste de esforço[20] e pela análise temática[21] centrados no risco climático realizados em 2022 pelo BCE, a Supervisão Bancária do BCE estabeleceu prazos específicos para cada instituição de crédito alinhar plenamente, até ao final de 2024, as suas práticas com as expectativas prudenciais expressas no Guia sobre riscos climáticos e ambientais, publicado em 2020 pelo BCE. Em março de 2023, foi atingida uma das etapas intermédias deste processo, tendo sido o mês em que se esperava que as instituições de crédito classificassem adequadamente os riscos climáticos e ambientais e realizassem uma avaliação completa do impacto associado nas suas atividades. Algumas instituições de crédito ainda apresentaram graves deficiências a este respeito e as autoridades de supervisão interagiram com as mesmas através de atos operacionais, requisitos qualitativos decorrentes do SREP e decisões ad hoc do Conselho de Supervisão. Espera‑se que, até ao final de 2023, as instituições de crédito incorporem os riscos climáticos e ambientais na sua governação, estratégia e gestão do risco e que, por último, até ao final de 2024, cumpram todas as restantes expectativas prudenciais delineadas em 2020, nomeadamente a plena integração destes riscos no processo de autoavaliação da adequação do capital interno (internal capital adequacy assessment process – ICAAP) e nos testes de esforço. Doravante, a Supervisão Bancária do BCE continuará a utilizar o conjunto de instrumentos ao seu dispor para assegurar que as instituições de crédito cumprem estas expectativas, designadamente recorrendo, quando necessário, a uma intensificação das medidas prudenciais, impondo, por exemplo, sanções pecuniárias temporárias ou acréscimos de fundos próprios específicos a cada instituição de crédito[22].

Além disso, as autoridades de supervisão continuarão a analisar e avaliar a adequação das práticas de divulgação das instituições de crédito. Embora as instituições de crédito tenham alcançado alguns progressos neste domínio, como revelado pelos resultados da terceira avaliação dos progressos realizados pelas instituições de crédito europeias na divulgação dos riscos climáticos e ambientais, a qualidade da informação divulgada permanece baixa. Outros domínios prioritários nos próximos anos incluirão a abordagem aos riscos de reputação e de litígio relacionados com o clima e o ambiente, decorrentes da publicação de objetivos de transição e/ou de compromissos de emissões líquidas nulas. As autoridades de supervisão prosseguirão também o trabalho preparatório de desenvolvimento de um quadro para a avaliação do planeamento da transição e do grau de preparação das instituições de crédito para cumprir os mandatos relacionados com os aspetos ambiental, social e de governação previstos na diretiva em matéria de requisitos de fundos próprios (Capital Requirements Directive – CRD VI). Por último, os riscos climáticos e ambientais continuarão a ser avaliados em determinadas inspeções no local centradas em riscos específicos, estando previsto que tenham início em 2024 missões autónomas concretas centradas nos riscos climáticos e ambientais.

Principais atividades do programa de trabalho associadas às prioridades prudenciais

  • Seguimento específico das deficiências identificadas no contexto do teste de esforço e da análise temática centrados no risco climático, realizados em 2022, com vista a alcançar o pleno alinhamento com as expectativas prudenciais relacionadas até ao final de 2024
  • Avaliação do cumprimento pelas instituições de crédito e do alinhamento entre as normas técnicas de execução relativas ao reporte para fins de supervisão e os requisitos de divulgação no âmbito do Pilar 3 relacionados com os riscos climáticos e ambientais, juntamente com uma análise comparativa das práticas das instituições de crédito face às expectativas prudenciais
  • Análises aprofundadas da capacidade das instituições de crédito de fazer face aos riscos de reputação e de litígio associados a compromissos relativos ao clima e ao ambiente
  • Inspeções no local direcionadas centradas em aspetos relacionados com o clima, quer numa base autónoma, quer no âmbito das análises planeadas de riscos individuais (por exemplo, risco de crédito, risco operacional e risco de modelo de negócio).

Prioridade 3: avançar com a transformação digital e o estabelecimento de quadros sólidos de resiliência operacional

Embora, na sua maioria, as instituições supervisionadas estejam a fazer progressos na digitalização das suas operações e serviços, de forma a lidar com os crescentes desafios de competitividade, também precisam de reforçar e, se necessário, ajustar os respetivos quadros de resiliência operacional para reduzir potenciais riscos. Alcançar a resiliência operacional contribuiria para a sustentabilidade dos modelos de negócio das instituições de crédito a médio prazo e permitir‑lhes‑ia, entre outros aspetos, tirar partido de tecnologias inovadoras. No entanto, algumas instituições de crédito apresentam atrasos na consecução dos seus objetivos neste domínio. Acresce que as instituições supervisionadas precisam de dar resposta às vulnerabilidades decorrentes da crescente dependência operacional de terceiros prestadores de serviços e de melhorar a gestão do risco de segurança informática/cibersegurança. Este aspeto é especialmente importante à luz das crescentes ciberameaças resultantes do atual contexto geopolítico.

Vulnerabilidade priorizada: deficiências nas estratégias de transformação digital

Objetivo estratégico: as instituições de crédito devem desenvolver e executar planos sólidos de transformação digital recorrendo a mecanismos adequados (por exemplo, a estratégia de negócio e a gestão do risco), a fim de reforçar a sustentabilidade dos respetivos modelos de negócio e reduzir os riscos relacionados com a utilização de tecnologias inovadoras.

As instituições supervisionadas comunicaram recentemente uma rentabilidade elevada sem precedentes, impulsionada, em grande medida, por margens financeiras líquidas mais altas. Contudo, persistem deficiências estruturais nos seus modelos de negócio. Os rácios de eficiência das instituições de crédito mantêm‑se persistentemente elevados e rígidos, podendo a implementação de medidas de contenção de custos representar um desafio, tendo em conta as atuais pressões inflacionistas elevadas. A este respeito, as instituições supervisionadas devem poder gerir o aumento previsto das despesas operacionais sem comprometer o muito necessário investimento na transformação digital. Espera‑se que a digitalização reforce a competitividade das instituições de crédito e as torne mais resilientes à concorrência de fora do setor bancário.

Em 2023, a Supervisão Bancária do BCE realizou uma avaliação horizontal e uma análise comparativa com base na recolha de dados ao nível do MUS sobre a transformação digital e a utilização de tecnologia financeira. Os resultados dessa análise foram partilhados com as instituições de crédito e ajudaram a qualificar vários riscos relacionados com a transformação digital, incluindo o risco estratégico, o risco de execução, o risco cibernético, o risco de dependência de terceiros, o risco de branqueamento de capitais e o risco de fraude. As inspeções no local direcionadas, que complementaram a avaliação horizontal, suscitaram preocupações quanto à eficácia da orientação e execução estratégicas, destacando também a importância de reforçar as competências do pessoal e dos órgãos de administração. Foram ainda identificadas deficiências no planeamento orçamental e financeiro, tendo as instituições de crédito dificuldades em acompanhar o impacto financeiro das suas iniciativas de transformação digital. O resultado destas atividades de supervisão serviu de base à avaliação prudencial dos modelos de negócio das instituições de crédito no ciclo de 2023 do SREP. No futuro, a Supervisão Bancária do BCE continuará a centrar‑se na transformação digital, combinando análises específicas com inspeções no local direcionadas. Além disso, publicará as suas expectativas prudenciais relativamente à transformação digital das instituições de crédito[23]. As expectativas revistas ajudarão a reforçar a metodologia de avaliação prudencial.

Principais atividades do programa de trabalho associadas às prioridades prudenciais

  • Análises específicas centradas no impacto da transformação digital das instituições de crédito no modelo e estratégia de negócio, na governação e na identificação/gestão do risco, complementadas pelo seguimento dado pelas ECS junto das instituições de crédito onde são identificadas deficiências materiais
  • Inspeções no local direcionadas centradas na transformação digital, combinando a dimensão do modelo de negócio com a vertente informática das estratégias de transformação digital das instituições de crédito
  • Publicação das expectativas prudenciais e partilha das melhores práticas em matéria de estratégias de transformação digital

Vulnerabilidade priorizada: deficiências nos quadros de resiliência operacional, nomeadamente riscos de externalização de serviços de tecnologias de informação e riscos de segurança informática/cibersegurança

Objetivo estratégico: as instituições de crédito devem dispor de acordos sólidos em termos de riscos de externalização, bem como de quadros de segurança informática e ciber‑resiliência, a fim de lidarem proativamente com eventuais riscos não mitigados passíveis de resultar numa perturbação significativa de atividades/serviços críticos, assegurando, ao mesmo tempo, o cumprimento dos requisitos regulamentares aplicáveis e das expectativas prudenciais.

O risco cibernético e a segurança dos dados continuam a ser os principais fatores de risco operacional das instituições de crédito. O número de incidentes de cibersegurança que as instituições supervisionadas comunicaram à Supervisão Bancária do BCE aumentou no primeiro semestre de 2023, refletindo a exposição significativa do setor bancário à evolução das ciberameaças, devido, entre outros aspetos, à guerra da Rússia contra a Ucrânia e ao aumento das tensões geopolíticas. Ataques destrutivos tornaram‑se uma componente proeminente da ação dos intervenientes estatais, sendo as instituições financeiras igualmente um alvo provável, em virtude do seu papel em infraestruturas críticas[24]. Os ataques com software de sequestro (ransomware), em particular, têm vindo a aumentar, estando os cibercriminosos a tornar‑se mais sofisticados e as instituições de crédito a ser cada vez mais afetadas pela evolução das técnicas de extorsão.

As deficiências nos acordos de externalização de serviços informáticos constituem outra vulnerabilidade importante, dada a crescente dependência das instituições de crédito de serviços prestados por terceiros. O alargamento e a complexidade crescente das cadeias de oferta exigem que as instituições de crédito compreendam e controlem melhor as suas relações com fornecedores e as (inter)dependências, a fim de lidarem proativamente com potenciais riscos de concentração. Uma gestão sólida de ativos e de fornecedores é, por conseguinte, fundamental para que as instituições de crédito possam responder às exigências dos clientes e aumentar a sua eficiência num contexto cada vez mais competitivo, assegurando simultaneamente uma gestão apropriada do risco associado aos seus acordos de externalização e à adoção de soluções de computação em nuvem. Os resultados do SREP de 2023 corroboram a proeminência das deficiências das instituições de crédito relacionadas com a gestão da externalização de serviços informáticos e a gestão dos riscos de segurança informática/cibersegurança, continuando o risco operacional a ser a componente com pior notação no âmbito do SREP[25].

Neste enquadramento, a Supervisão Bancária do BCE estabeleceu uma recolha anual dos registos de externalização das instituições supervisionadas. As análises realizadas até à data identificaram diversas vulnerabilidades, incluindo uma elevada dependência de alguns fornecedores externos não europeus e um número considerável de contratos de externalização. A gestão adequada do risco de terceiros, incluindo da subcontratação de serviços de computação em nuvem, permanece no topo da agenda da supervisão e continuará a ser avaliada como parte das atividades em curso.

Além da avaliação horizontal dos acordos de externalização das instituições de crédito e da análise do risco de concentração, a Supervisão Bancária do BCE continuará a efetuar análises específicas dos acordos de externalização e da ciber‑resiliência, com vista a conhecer melhor a natureza e magnitude dos riscos, bem como as medidas de mitigação associadas adotadas pelas instituições de crédito. As análises específicas também serão complementadas por inspeções no local para identificar e avaliar deficiências numa base instituição a instituição. Tendo em conta o grande aumento dos ciberataques e a importância deste tema no atual contexto geopolítico, no próximo ano, a Supervisão Bancária do BCE conduzirá adicionalmente um teste de esforço centrado na ciber‑resiliência para avaliar a capacidade de resposta e recuperação das instituições de crédito face a um ciberataque bem‑sucedido[26].

Principais atividades do programa de trabalho associadas às prioridades prudenciais

  • Recolha de dados e análise horizontal dos registos de externalização, a fim de identificar interligações entre instituições supervisionadas e terceiros prestadores de serviços e potenciais concentrações de riscos em determinados prestadores de serviços
  • Análises específicas dos acordos de externalização e da ciber‑resiliência
  • Inspeções no local direcionadas centradas na gestão da externalização e da cibersegurança
  • Teste de esforço ao nível do conjunto do sistema centrado na ciber‑resiliência a realizar em 2024, que incidirá sobre a capacidade de resposta e recuperação das instituições de crédito face a um incidente de cibersegurança e sobre a sua capacidade de conter o impacto e restabelecer os serviços de forma atempada

Banco Central Europeu, 2023

Endereço postal 60640 Frankfurt am Main, Alemanha
Telefone +49 69 1344 0
Sítio Web www.bankingsupervision.europa.eu

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Para uma definição da terminologia específica, consultar o glossário do MUS.

HTML ISBN 978‑92‑899‑6267‑4 ISSN 2599‑8501 doi:10.2866/032464 QB‑BZ‑24‑001‑PT‑Q


  1. Ver “Resultados agregados do SREP de 2023”, BCE, dezembro de 2023.

  2. Comunicado do BCE: “Teste de esforço indica que o sistema bancário da área do euro tem capacidade para resistir a uma grave recessão económica”, 28 de julho de 2023.

  3. Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema, dezembro de 2023.

  4. The last mile”, discurso de Isabel Schnabel na palestra anual “Homer Jones Memorial Lecture”, 2 de novembro de 2023.

  5. Boletim Económico, Número 7, novembro de 2023; Inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito na área do euro, BCE, outubro de 2023.

  6. Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema, dezembro de 2023.

  7. Ver “Resultados agregados do SREP de 2023”, BCE, dezembro de 2023.

  8. Unrealised losses in banks’ bond portfolios measured at amortised cost”, Supervisão Bancária do BCE, 28 de julho de 2023.

  9. Ver as observações de Martin Gruenberg, presidente do Organismo Federal de Garantia de Depósitos Bancários dos Estados Unidos (Federal Deposit Insurance Corporation – FDIC), no Institute of International Bankers, 6 de março de 2023.

  10. Ver “Diversity at the top makes banks better”, Blogue da Supervisão, Frank Elderson e Elizabeth McCaul, 9 de maio de 2023.

  11. Ver também “Effective management bodies – the bedrock of well‑run banks”, Blogue da Supervisão, Frank Elderson, 20 de julho de 2023.

  12. Ver “Declaração do MUS sobre a governação e a apetência pelo risco”, BCE, junho de 2016.

  13. Ver “Resultados agregados do SREP de 2023”, BCE, dezembro de 2023.

  14. Consultar o sítio do BCE dedicado à supervisão bancária.

  15. O relatório de gestão sobre a governação e a qualidade dos dados consolida e complementa a medição da qualidade dos dados no contexto do reporte prudencial. Solicita‑se às instituições que, no preenchimento deste relatório, respondam a um conjunto de perguntas abertas, com a respetiva assinatura de, pelo menos, um membro do órgão de administração para promover a responsabilização.

  16. Ver Climate Change 2023 Synthesis Report, Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, 2023.

  17. Como destacado na 28.ª Conferência das Partes (COP 28).

  18. Ver Climate Change 2023 Synthesis Report, Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, 2023.

  19. Ver “Resultados agregados do SREP de 2023”, BCE, dezembro de 2023.

  20. 2022 climate risk stress test, Supervisão Bancária do BCE, julho de 2022.

  21. Ibid.

  22. Ver os discursos de Frank Elderson: “Making finance fit for Paris: achieving “negative splits”, novembro de 2023, e “Powers, ability and willingness to act – the mainstay of effective banking supervision”, dezembro de 2023.

  23. Ver “Resultados agregados do SREP de 2023”, BCE, dezembro de 2023.

  24. Ver “ENISA Threat Landscape 2022”, Agência da União Europeia para a Cibersegurança, outubro de 2022.

  25. Ver “Resultados agregados do SREP de 2023”, BCE, dezembro de 2023.

  26. Ver a entrevista de Andrea Enria, presidente do Conselho de Supervisão do BCE, realizada por Naglis Navakas, 9 de março de 2023.

Participação de infrações