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O novo mundo dos bancos – cartografar o território

Discurso de Danièle Nouy, Presidente do Conselho de Supervisão do BCE, por ocasião da conferência conjunta da tvi24 e da Associação Portuguesa de Bancos
Lisboa, 17 de maio de 2016

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Agradeço o convite que me foi dirigido para intervir na conferência de hoje sobre o presente e o futuro do setor bancário. É um prazer estar aqui em Lisboa.

Durante muito tempo, Portugal foi o confim do mundo conhecido. Os romanos, por exemplo, pensavam que, para lá da costa portuguesa, o sol mergulhava no oceano, sinalizando o fim do mundo. Obviamente, os portugueses pensavam de forma distinta. Quando contemplavam o mar, perguntavam-se o que existiria para além dele.

No século XV, começaram finalmente a explorar mares nunca antes navegados – iniciava-se, assim, a grande era dos descobrimentos. Graças a técnicas e instrumentos extremamente avançados, exploradores como Vasco da Gama e Fernão de Magalhães descobriram grande parte de África, do Sudeste Asiático e da América do Sul. Na altura, eram mundos completamente novos; hoje, são territórios conhecidos.

No que respeita ao setor financeiro, estamos perante uma situação idêntica. Muitos sentem que a tempestade da crise financeira os lançou por um vasto mar até às margens de um novo mundo – um mundo com novas regras, novos atores e novos desafios. E alguns poderão questionar-se se este novo mundo é melhor do que aquele de onde vieram.

Permitam-me traçar o novo mundo e realçar algumas características da paisagem. Gostaria de explicar por que razão este novo mundo é como é e, mais importante ainda, porque é efetivamente melhor do que o antigo.

Prevenir situações de emergência – regulamentação e supervisão

Na criação do novo mundo dos bancos, os decisores de política pautaram-se por dois objetivos principais: primeiro, aumentar a resiliência das instituições bancárias e diminuir a probabilidade de crises; segundo, realinhar os incentivos para os bancos e os investidores e proteger os contribuintes. O enquadramento regulamentar e de supervisão foi modificado tendo em vista a consecução destes objetivos.

No contexto da área do euro, o cenário da supervisão alterou-se de forma significativa em 4 de novembro de 2014, altura em que o BCE começou a supervisionar diretamente os então 120 bancos de maior dimensão na área do euro. Transpor a supervisão bancária para a esfera europeia representou o maior passo no sentido da integração financeira desde a introdução do euro – e tratou-se de um passo necessário.

A supervisão bancária europeia proporciona, pelo menos, três vantagens:

  • Em primeiro lugar, permite que os bancos do conjunto da área do euro sejam supervisionados de acordo com os mesmos padrões elevados.
  • Em segundo lugar, não se detém nas fronteiras nacionais e assume uma perspetiva europeia, podendo, por conseguinte, comparar o desempenho dos bancos em vários países, a fim de identificar problemas numa fase precoce.
  • Em terceiro lugar, é menos propensa a que interesses nacionais se sobreponham à tomada de medidas necessárias, podendo, portanto, atuar quando se impõe uma intervenção.

A supervisão bancária europeia coloca os supervisores nacionais à margem? Certamente que não. Primeiro, as entidades de supervisão nacionais continuam a ser responsáveis pela supervisão direta dos bancos de menor dimensão – e estes constituem a esmagadora maioria. Em Portugal, por exemplo, só quatro bancos são supervisionados diretamente pelo BCE, ao passo que cerca de 120 instituições bancárias se encontram sob a supervisão direta do Banco de Portugal. Segundo, no que respeita aos bancos de grande dimensão, o BCE confia, evidentemente, nos conhecimentos especializados e na experiência dos supervisores nacionais, que integram maioritariamente as equipas de supervisão pertinentes. E as autoridades nacionais competentes encontram-se representadas no Conselho de Supervisão.

A supervisão bancária europeia assenta na cooperação. Supervisores de toda a área do euro trabalham em conjunto para a consecução de um setor bancário estável. Naturalmente, o ajustamento a este novo mundo, o estreitamento de relações e o estabelecimento de uma cultura de supervisão comum levarão algum tempo. E, sim, poderemos deparar-nos com conflitos durante o percurso, que terão de ser solucionados de forma construtiva.

No entanto, realizámos progressos significativos desde novembro de 2014 e acabará por surgir uma cultura de supervisão europeia. Em última análise, todos partilhamos um objetivo comum: um setor bancário mais estável.

A supervisão bancária europeia constituiu uma etapa decisiva para alcançar esse objetivo. Não foi, porém, a única: procedeu-se também a uma revisão da regulamentação bancária.

O elemento novo e mais destacado do enquadramento regulamentar é o aumento dos requisitos de fundos próprios. Os fundos próprios são a reserva mais universal de uma instituição bancária – venha a tempestade de onde vier, um banco bem capitalizado conseguirá enfrentá-la. Por conseguinte, foi estipulado um aumento dos requisitos de fundos próprios, tanto em termos de quantidade como de qualidade – os bancos têm agora de deter mais e melhor capital do que no passado.

Todavia, há quem afirme que a existência de requisitos de fundos próprios mais elevados tem efeitos secundários. Alegam que o capital é oneroso para os bancos e que poderá obrigá-los a aumentar as taxas de juro ativas, o que, por seu turno, asfixiaria o crescimento do crédito e seria prejudicial para a economia. Será que a existência de requisitos de fundos próprios mais elevados é realmente nefasta para a economia?

A evidência empírica sugere o contrário. Num estudo recente, por exemplo, Leonardo Gambacorta e Hyun Song Shin concluíram que “tanto o objetivo macroeconómico de desbloquear a concessão de crédito bancário como o objetivo prudencial de conseguir bancos sólidos são mais bem servidos quando o nível de fundos próprios dos bancos é elevado”[1].

Além disso, não deveríamos olhar apenas para os custos de requisitos de fundos próprios mais elevados, mas também para os benefícios. Desde logo, a existência de requisitos de fundos próprios mais elevados reduz a probabilidade de ocorrência de crises, as quais, se assim não fosse, seriam muito onerosas para a economia. Estudos comparativos dos custos e benefícios de requisitos de fundos próprios mais elevados concluem que, em última análise, os benefícios superam os custos[2].

Fazer face a situações de emergência – resolução e partilha de riscos

Com a supervisão bancária europeia e requisitos de fundos próprios mais elevados, demos um passo em frente no sentido da consecução de um setor bancário estável. No entanto, alguns bancos ainda poderão falir. Com efeito, a economia de mercado vive da destruição criativa: as empresas insustentáveis saem do mercado e dão lugar a outras melhores. O acaso e as circunstâncias podem colocar os bancos em situações difíceis, mesmo se estes forem objeto de uma regulamentação rigorosa, de uma supervisão atenta e de uma gestão prudente.

Contudo, muitos bancos estão tão envolvidos nas malhas do sistema financeiro que o seu colapso pode desencadear uma crise sistémica – sobretudo quando se trata de bancos de grande dimensão. O problema dos bancos “demasiado grandes para falir” foi uma questão extremamente importante durante a recente crise financeira. A fim de evitar o pior, os governos em todo o mundo tiveram de resgatar bancos em dificuldades.

Esses resgates financeiros (bail-outs) pesaram principalmente sobre as finanças públicas. Veja-se o exemplo da Irlanda: em 2010, o défice público irlandês aumentou para mais de 30% do PIB – um resultado direto do resgate de bancos de grande dimensão.

E verifica-se um efeito adicional: os resgates públicos aumentaram a probabilidade de futuras crises, na medida em que deram incentivos errados aos bancos, permitindo-lhes operar com um seguro público implícito e sem custos. Para os bancos, pouco poderia correr mal: ou os seus investimentos eram rentáveis ou os governos interviriam para os salvar. Era uma situação de cara ou coroa: se saísse cara, os bancos ganhavam; se saísse coroa, os contribuintes perdiam. Assim, os bancos tinham um incentivo para realizar atividades arriscadas, colher os benefícios e transferir potenciais perdas para outros. Um sistema desta natureza não é, obviamente, sustentável.

Consequentemente, outra vertente importante do novo enquadramento regulamentar foi a criação de mecanismos que permitam uma falência ordenada dos bancos. Um elemento crucial neste âmbito é o instrumento de recapitalização interna (bail-in tool). Na Europa, este instrumento foi introduzido no início do ano pela Diretiva de Recuperação e Resolução Bancárias. De acordo com as novas regras, os acionistas e os credores são os primeiros a suportar os custos da falência dos bancos. Beneficiam dos proveitos, mas também têm de assumir os riscos: se sair cara, ganham; se sair coroa, perdem.

A existência da recapitalização interna desencorajará os investidores de investirem o seu dinheiro nos bancos? Bem, no mundo dos negócios, é uma questão de preço. Agora que o seguro público implícito foi eliminado, os investidores poderão exigir prémios de risco mais elevados, aumentando, assim, os custos de financiamento dos bancos com maior nível de risco e forçando-os a repensar os seus modelos de negócio. Naturalmente, tal está em plena consonância com o objetivo de reforçar a disciplina de mercado e realinhar os incentivos para os bancos e os investidores.

Contudo, estão em jogo também outros dois fatores: a transparência e a certeza. Em primeiro lugar, os investidores precisam de saber as regras do jogo – a transparência é essencial. Em segundo lugar, precisam de ter a certeza de que o jogo se realizará de acordo com essas regras. Sem transparência e certeza, os investidores poderão, de facto, não se sentir encorajados a investir nos bancos.

Gerir a transição – o setor bancário

Minhas Senhoras e meus Senhores, o setor bancário entrou num novo mundo – as regras tornaram-se mais rigorosas e entrou em cena uma nova entidade de supervisão. Não nego que são necessários esforços consideráveis na adaptação a este novo mundo.

Sobrecarregados com o legado da crise, os bancos têm de obter capital num contexto em que os mercados incorporam o risco efetivo de perdas na sua avaliação em termos de preços. Não obstante estes fatores adversos, os bancos na Europa conseguiram aumentar significativamente o seu capital. Desde 2012, o rácio de fundos próprios principais de nível 1 das entidades significativas na área do euro aumentou, em média, de 9% para cerca de 13%.

Esta evolução é positiva, na medida em que os bancos ficam em melhor posição para dar resposta a desafios que estão para além das reformas regulamentares e de supervisão.

O maior desses desafios prende-se com a sustentabilidade dos modelos de negócio e a rendibilidade dos bancos no conjunto da área do euro, vertentes que estão sob pressão em virtude do período prolongado de taxas de juro muito baixas.

Por agora, contudo, os efeitos ainda não se fazem propriamente sentir. Olhando para os bancos de grande dimensão na área do euro, verificamos que, em termos agregados, a rendibilidade aumentou consideravelmente no decurso de 2015. A rendibilidade média dos capitais próprios registou uma subida de 2.8% em 2014 para 4.5% em 2015, não obstante o aumento significativo dos fundos próprios. Simultaneamente, a margem financeira, em termos agregados, permaneceu estável.

No entanto, embora se tenha verificado uma melhoria da rendibilidade no ano passado, essa melhoria partiu de um nível muito baixo. Além disso, o aumento observado dos lucros foi, em parte, impulsionado por receitas não recorrentes e os valores agregados ocultam evoluções bastante díspares entre instituições.

Em termos prospetivos, as taxas de juro baixas podem acabar por deixar marca: os ativos de elevada rendibilidade vencerão ou serão reembolsados antecipadamente, mas, ao mesmo tempo, a redução das despesas com juros será balizada pelo limite inferior zero nos depósitos. Os bancos precisam, assim, de se preparar para o dia de amanhã, procedendo à revisão dos respetivos modelos de negócio hoje.

E, olhando para os países a nível individual, as taxas de juro baixas não constituem o único desafio. Os bancos têm também de fazer face à baixa qualidade dos ativos (incluindo níveis elevados de créditos não produtivos), a questões de governação, a grandes exposições a entidades soberanas nacionais, à falta de eficiência em termos de custos, à potencial densidade excessiva de bancos e a fatores adversos decorrentes de problemas nos mercados emergentes.

Neste contexto, devem ser efetuadas reformas estruturais para garantir a solidez do setor bancário. A regulamentação e a supervisão proporcionam o enquadramento necessário, no âmbito do qual as forças de mercado podem agora atuar e promover as alterações pertinentes.

O setor bancário não é, contudo, uma ilha isolada, estando antes estreitamente interligado com a economia real. Os bancos refletem sempre o estado da economia – tanto em termos cíclicos como estruturais. Uma economia sólida e saudável constitui uma condição prévia para um setor bancário sólido e saudável. Por conseguinte, urgem reformas estruturais que não se cinjam ao setor bancário, em particular nos países mais atingidos pela recente crise. Já muito foi feito neste sentido. Agora, é fundamental concluir as reformas necessárias – recuar não é uma opção.

Conclusão

Minhas Senhoras e meus Senhores, o setor bancário entrou num novo mundo. Estou convencida de que este novo mundo é melhor do que o anterior. Ainda assim, levará algum tempo a ajustarmo-nos ao novo enquadramento regulamentar e de supervisão, a ultrapassar o legado da crise financeira e a concluir as mudanças estruturais necessárias. Estou, contudo, otimista e acredito que este novo mundo de hoje acabará por se tornar um território conhecido e será o reduto de um setor bancário estável.

Woodrow Wilson afirmou um dia: “Não podemos, na experiência humana, ter pressa para alcançar a luz. É preciso atravessar o crepúsculo até ao dia que começa, antes de chegar o meio-dia e de o sol iluminar completamente a paisagem.” Vindos das trevas da crise financeira, realizámos progressos significativos ao longo do nosso percurso e o sol surgiu no horizonte.

Obrigada pela vossa atenção.


  1. Gambacorta, L. e Shin H.S. (2016), “Why bank capital matters for monetary policy”, Documento de Trabalho n.º 558 do Banco de Pagamentos Internacionais.
  2. Para uma visão geral, ver Comité de Basileia de Supervisão Bancária (2016), “Literature review on integration of regulatory capital and liquidity instruments”, Documento de Trabalho n.º 30.
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